Então tá combinado: no país da fantasia, Minas já paga até mais do que o piso
Na vida real,
Minas já não existe mais. Foi o poeta quem disse. E quem sou eu para
questionar o grande Drummond. Mas, no mundo da fantasia, naquele que
aparece na mídia, com atores globais e outros tipos mais, Minas é o
paraíso perdido, ou ainda não descoberto: é o país (que estado que nada)
que tem a melhor educação do planeta, que cresce mais do que a China,
que paga até 60% a mais do que o valor do piso nacional. Por favor, me
mostrem onde fica este território que eu quero ir para lá. Deve ser
melhor do que Pasárgada, onde sou amigo do rei.
Para um leigo, um desavisado, um neófito queseja, que ouve alguém dizer que Minas
paga até 60% (de 59 para 60 é a mesma coisa, né? Convenhamos) a mais do
que piso, a realidade parece empolgante. Dedo na calculadora, basta
somar: se o piso dos educadores é de uma formosura equivalente a R$
1.567,00 - Ufa! Que montante impressionante! -, e Minas paga até 60% a mais, logo, Minas paga no mínimo R$ 2.507,00 de piso para início de conversa e de carreira. Esta deveria ser a interpretação de um leigo, desavisado, desatento, novato.
Mas,
meu contracheque de professor-de-Minas, a real, a do poeta, não a da
mídia fantasiosa com seus atores globais bem pagos, insiste em dizer que
há algo de estranho no reino de Minas. Os números não batem. Com
10 anos de casa eu deveria estar ganhando mais do que o valor indicado
no mundo da fantasia. Estranhamente, contudo, o contracheque real indica
um valor muito aquém, que insiste em não sair da casa dos dois salários mínimos
como valor total. A depender apenas do salário de professor-de-Minas,
da real, a do poeta e a do meu contracheque, estou excluído da
possibilidade de sonhar até mesmo com a casa própria do programa Minha
Casa, Minha Vida. Dilma, Lula, Anastasia e Aécio talvez consigam
empréstimos para adquirir imóveis até em Marte, que dirá em Minas. Já um
professor-de-Minas, que dependa do salário real, aquele do poeta e do
contracheque, ah, este não, vai ter que viver de aluguel em um barraco
qualquer, ou num puxadinho, ou viver de favor mesmo. Com dois mínimos de
salário total, sem qualquer outra ajuda de custo - sem o auxílio paletó
dos deputados, sem o auxílio moradia de ministros, sem outras tantas
verbas indenizatórias, os dois mínimos, para quem vive apenas de ser
professor-de-Minas (o que nem é mais o meu caso, graças a Deus), dá
apenas para comprar a cesta básica, bem básica, pagar o transporte e os
juros dos cheques especiais que generosamente os bancos oferecem, como
fel, ou como os empreiteiros de Chico Buarque ofereciam a cachaça para
os operários da construção civil. Bebam e morram, para não atrapalhar o
trânsito.
De tudo, não há motivo para se
indignar. Os ministros do STF decidiram que o piso vale a partir de 27
de abril de 2011. E decidiram também que os estados já pagam o piso,
somente quatro, segundo Barbosa, não pagam. E Minas nem está incluída
entre estes quatro. Tudo bem que Minas alterou a regra do jogo no
terceiro tempo da partida. Depois do fatídico 27 de abril, Minas pisou
na decisão do STF - pisou, literalmente falando, já que o assunto era o
piso. O STF decidiu: piso é vencimento básico, sobre o qual serão
acrescidas as gratificações como quinquênios, biênios, etc. O que fez a
Minas real, do poeta e do meu contracheque? Somou as gratificações ao
vencimento básico, antes de aplicar o piso na carreira, inaugurando um
novo sistema, o do subsídio, que não comporta nenhuma gratificação, é
valor total. Além disso, reduziu os índices entre as promoções (níveis
da carreira), de 22% para 10% ou menos. Assim, um professor com curso
superior, que deveria ganhar 48,84% (dois níveis acima, de 22% cada)
sobre o salário inicial do professor com formação em ensino médio - que é
aquele que deveria receber os tais R$ 1.567,00 -, foi rebaixado à
condição inicial de nível I, com salário inicial e final de dois
mínimos.
Mas não
fiquem tristes, amigos deste blog. Trago boas notícias: a curto prazo,
no dia 30 de março, mais precisamente, Minas vai pagar o prêmio de
produtividade de 2011. Nós, da Educação, vamos receber em torno de 50%
do valor do salário total de dezembro de 2011. Não sei se vocês estão
lembrados - muitos andam esquecidos -, mas em dezembro de 2011 nós
recebemos aquele salário cortado, confiscado pelo governo, que rebaixou
nossos proventos no meio do ano, apesar da Carta Magna do Brasil não
permitir essas coisas. Mas, Minas é outro território, e portanto, a lei
federal não a alcança. Cerca de 153 mil educadores (inclusive eu)
fizeram opção legal pelo antigo sistema remuneratório, na vã expectativa
de receber o piso na carreira, mesmo que fosse somente após o dia 27 de
abril de 2011. O que fez o governo? Cortou o reajuste que foi aplicado
no início de 2011 para estes 153 mil educadores, e depois, em lei
aprovada no final daquele ano (após o dia 27 de abril, portanto),
obrigou a volta de todos os 153 mil educadores ao novo regime, do
subsídio, sem nos devolver o que fora cortado. Foram muitos milhões de
reais que o estado se apropriou às custas dos educadores, no mundo real
do poeta e do meu contracheque.
Portanto, não há motivos para
tristeza ou descontentamento. Além do prêmio, algo próximo de R$ 500,00
que os educadores receberão, e que o governo insiste em chamar de 14º
salário - talvez com razão, dado à proximidade entre os salários mensais
de rotina e o prêmio -, há outros motivos para comemorar. Um deles? A
Copa do Mundo vem aí! Quer coisa mais emocionante do que isso? Eu sei
que dificilmente um dos 400 mil educadores de Minas, entre ativos e
aposentados, terá condições de comprar um ingresso para assistir aos
jogos pessoalmente, no estádio reformado. Mas só de saber que o mundo
inteiro estará em Minas, nos visitando, deixando dólares e euros, isso
já é motivo para comemorar, não acham? Dilma e Aécio vão visitar Minas
com mais frequência - os dois, mineiros que não moram em Minas -, ah,
isso vai fazer toda a diferença na nossa vida. Na greve de 112 dias de
2011, o senador passou longe de Minas, enquanto a presidenta aqui
esteve, para prestigiar a reforma do estádio, nem tocando no assunto
"piso dos professores". Até os ministros do STF poderão aparecer por
aqui, com aquela capa preta estranha, a lembrar os tempos de monarquia,
que ainda sobrevivem em Minas. Afinal, temos até um faraó.
Enfim,
pisados por todos, mas vivendo no país da fantasia, os educadores e
demais pessoas comuns retomam a sua rotina. Apesar deles, a vida
continua, a luta continua, e o sonho de muitos poetas e professores
ainda se tornará real. Ainda que tardiamente, como se inscreve na
bandeira de Minas.
(trechos do blog do euler)
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