quinta-feira, 3 de maio de 2012

Memórias...

Entre baldes e fantasmas


Aluna: Sabrina de Souza Rozado

Minha infância foi muito difícil. Trabalhava na roça para ajudar no sustento da família.

Nós passávamos por momentos tristes: a falta de comida, roupas e remédios. Naquela

época era comum que as crianças ajudassem a família e com isso acabavam largando cedo

os estudos.

Ah, os baldes! Esses me deram forças... (risos). Tínhamos que caminhar até um rio muito

longe para pegar água que servia para a nossa alimentação e higiene. Os baldes ficavam

mais pesados a cada passo do interminável caminho. Mas, apesar das dificuldades, lembro-

me desse tempo com muito carinho: o pedido de desculpas no olhar dos meus pais e

os sonhos que tinham para o nosso futuro.

Naquele tempo, o jeito de namorar também era diferente. Recordo que quando conheci

meu marido só podia namorar em casa com a vigilância dos meus pais. Sabia também

que já estava “metida” em compromisso sério, pois não podíamos correr o risco de ficar mal

faladas no bairro.Casei e vim para a cidade “grande” à procura de uma vida melhor, uma oportunidade


de emprego. Morei um tempo na cidade de Canoas e, mesmo trabalhando, sofríamos com

as prestações do aluguel, pois a família foi crescendo e as despesas também. Então surgiu

a oportunidade de comprarmos uma casinha em São Leopoldo; assim, vim morar no bairro

Cohab. Lembro-me de que quando cheguei aqui as pessoas falavam que este lugar tinha

sido um grande cemitério. Alguns moradores ficavam assustados, porque coisas estranhas

aconteciam em suas casas. Até hoje, quando contam “causos” de assombração, sempre tem

alguém que se lembra da história do cemitério e dos tais fantasmas que assombravam suas

casas. Fui me apegando a este lugar e enfrentando os fantasmas da vida. Quando relembro

São Leopoldo me emociono muito.

Minha casa era pequena e não tinha conforto. Os mercados eram distantes, as paradas

de ônibus exigiam longas caminhadas e os horários de transportes eram restritos. Minha

história foi se transformando dentro de minha São Leopoldo. Hoje, posso dizer que moro no

maior bairro da cidade, conhecido como a “Grande Feitoria”. Há um comércio em cada esquina,

posto de saúde e escolas espalhadas pelo bairro. Hoje São Leopoldo nos enche de

orgulho com suas riquezas culturais e históricas: Casa do Imigrante, Unisinos (Universidade

do Vale do Rio dos Sinos), Santuário Padre Reus, e até o trem que aqui já chegou. Claro, o

progresso também tem suas consequências. Fico triste quando ouço falar da poluição do

rio dos Sinos. Lembro-me dos velhos baldes d’água e da felicidade que temos no simples

ato de abrir a torneira. Ao voltar no tempo, penso que mesmo na dificuldade minha vida

sempre foi regada por momentos bons. Nesse vale vivo realizada. Sou uma senhora feliz,

que entre baldes e fantasmas construiu sua vida.

Peço ao nosso querido padre Reus que me dê muitos anos ainda para que eu possa

seguir crescendo com essa cidade, e quem sabe um dia uma menina querida escreva

nossa história.

(Texto baseado na entrevista feita com a sra. Marinalda da Silva de Oliveira, 57 anos.)

Nenhum comentário: