sábado, 15 de outubro de 2011

Não há vagas - Ferreira Gullar

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

Ferreira Gullar chama a atenção para os temas que a poesia aborda e as que deveria incluir: miséria, vida sofrida das pessoas humildes etc. Ele critica a concepção de poesia que se aliena da realidade, que se distancia dos problemas sociais. Segundo o eu lírico, ao evitar tomar posição diante das questões de seu tempo, o poema perde sua função, não serve para nada, metaforicamente "não fede nem cheira".
Assim também devem ser pensados os conteúdos que as escolas e professores lecionam, pois se não estão ligados à realidade da sociedade de nada servem, ficam obsoletos, morrem e não atingem os alunos.

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